Mídia, Imigração e Interculturalidade: mapeando as estratégias de midiatização dos processos migratórios
Por Denise Cogo
O incremento da informação e a abertura do horizonte transnacional de referências complexifica e torna mais sutil a compreensão dos outros ou leva a repetir os esquemas binários, maniqueístas que dividem o mundo entre dominantes e dominados, modernos e tradicionais, centros e periferias?
A indagação, formulada pelo pesquisador dos estudos culturais latino-americanos Néstor Garcia Canclini, oferece uma síntese da complexidade que vai sendo imposta às sociedades contemporâneas por uma das principais experiências socioculturais da atualidade: as imigrações.
Contestar os contornos estabelecidos das identidades nacionais e da própria supremacia da cultura ocidental toma-se a principal repercussão das dinâmicas e confrontos culturais intensificados pela complexidade que assumem os fenômenos migratórios, colocando em questionamento alguns dos principais modelos de gestão cidadã da diferença, como o assimilacionista francês e o pluralista inglês, que têm inspirado as próprias políticas de imigração nos países ocidentais.
A atualidade das dinâmicas multiculturais é lida, em grande medida, como intensificação dos processos migratórios intra e extra-comu- nitários, acelerados pela globalização da economia e pelo incremento das novas tecnologias da comunicação. Ao intenso movimento de mercadorias, imagens, estilos ocidentais e identidades de consumo tem correspondido, segundo Stuart Hall, um movimento similar de pessoas das periferias para o centro, configurando o que o autor caracteriza como “um dos períodos mais longos e sustentados de migração não planejada da história recente”.
Se, no século passado, o continente europeu foi um produtor abundante de emigrantes econômicos, refugiados políticos ou de pessoas que simplesmente decidiam viver em outros países, esse quadro se inverte, sobretudo com o final da Segunda Guerra Mundial, quando várias nações européias recorrem à imigração, tanto intracomunitária quanto extra-comunitária, a fim de suprirem as deficiências de mão-de-obra geradas, em um primeiro momento, pela reconstrução pós-guerra e, posteriormente, pela própria expansão econômica do conti- nente. A partir dos anos 50, entre 20 e 30 milhões de estrangeiros entram na Europa Ocidental, dos quais cerca de 20 milhões acabam se instalando, de forma permanente, nos países europeus industrialmente mais desenvolvidos. Nos anos 90, a diversidade cultural dos imigrantes estabelecidos nos Estados Unidos já é percebida “como um verdadeiro desafio para a identidade do país.” Caso persistam as atuais tendências de imigração e natalidade, segundo estimativas da Oficina de Censo Americana, no ano 2050, haverá nos Estados Unidos 23% de hispânicos, 16% de negros e 10% de asiáticos-americanos. Paralelamente ao decréscimo do aporte europeu à imigração americana e à crescente multiplicidade de origens, se acentua a diversidade de status socioeconômico dos novos imigrantes. Entre os filipinos, chineses, taiwaneses, japoneses, mexicanos, colombianos e salvadorenhos que escolheram os Estados Unidos como destino encontra-se um número significativo de homens de negócios, engenheiros, advogados, médicos, cujo salário médio é equivalente ou até ultrapassa o dos americanos. Muitos deles não demoram, inclusive, a se integrar a uma classe média norte-americana.
“É mais simples fazer investimentos em um país estranho do que se tornar cidadão”, acrescenta Garcia Canclini, para alertar sobre o tipo de protagonismo reservado às imigrações contemporâneas na constituição dos mercados regionais e ao mesmo tempo registrar que, em ritmo similar ao das alianças econômicas e, articuladas a elas, as barreiras às imigrações têm se transformado em um dos principais temas da pauta dos acordos de livre comércio e integração regional no cenário da globalização.
Para o autor, os intercâmbios econômicos pouco ou nada têm contribuído para alterar antigas polarizações que, construídas durante os períodos da Conquista e da colonização, perpetuam os estereótipos em relação aos Outros imigrantes. Exemplo é a reprodução de discriminações dos europeus em relação aos latino-americanos e a admiração inversa que nutrem os latinos diante dos europeus. Ao tratamento desigual de diversos países da Europa em relação a imigran- tes e turistas oriundos da América Latina, corresponde, do lado latino- americano, a opção por um modelo de modernização que freqüentemente priorizou os alemães aos portugueses, assim como os ingleses e os franceses, em detrimento dos espanhóis.
Este artigo foi publicado originalmente na Revista Mídia e Informação v. 4, n. 1/2 (2001) da UFG.
O artigo completo pode ser encontrado em pdf, aqui: .PDF