Avila: “consumo é significado e função”

alisson-avila-02Jornalista de formação e publicitário de profissão, Alisson Avila tem cerca de 15 anos de carreira – 8 deles dedicados ao mundo da publicidade. Já atuou na Aktuell (atual AktuellMix), passou pela W3Haus e fundou a Couture, consultoria de pesquisa e inovação, sediada em Lisboa (Portugal), onde vive há pouco mais de dois anos. “A Couture é 100% orientada para as pessoas e suas ‘formas de estar’, como se diz por aqui”, explica. Confira o papo:
Memorial do Consumo: Com quais anunciantes consumo você já se relacionou?
Alisson Avila:
No Brasil, sem dúvida o principal foi O Boticário. Uma experiência interessante por envolver uma miríade de facetas da gestão de negócio através do marketing: marca, varejo, canais, promoção, digital, modelo de negócio, CRM, convergência. A responsabilidade estratégica perante o cliente era alta e o envolvimento, enorme. Aqui em Portugal trabalhamos com Ikea, L’Oréal, Sonae e suas diversas operações de referência (Continente, a maior rede de supermercados do país; Sport Zone; Zippy – vestuário infantil), Cofidis, Unicer (cerveja Super Bock e Água das Pedras, Portugal Telecom, Esporão (uma das principais vinícolas do país), Turismo de Portugal e Sumol+Compal. Temos aqui, felizmente, uma carteira muito consistente de marcas de referência interessadas em descodificar comportamentos e criar relações de consumo ganha-ganha.
MC: Quando você começou a se interessar por propaganda?
Avila:
Foi uma declinação do interesse pela imagem. Pela estética e pelo grafismo. Do desenho foi para a fotografia, daí para uma vaga ideia de design, ​tudo isso ainda na adolescência. Gostava de viajar na forma das coisas e na maneira como os processos aconteciam, como as pessoas entendiam o que era dito a elas. Esta curiosidade e envolvimento oscilantes entre arte, design e marketing me acompanha até hoje. Mas nem sempre foi assim tão fácil de explicar: quando entrei no “segundo grau”, fiz um curso técnico em Publicidade em uma escola pública de Porto Alegre, o Irmão Pedro. Uma experiência incrível tendo 14-16 anos, mas saí de lá revoltado com o capitalismo selvagem representado pela publicidade. (risos)
Com isso, decidi que precisava algo de Humanas que não tivesse a abordagem do “hard sales”: achava tudo aquilo horrível na altura. Fui estudar jornalismo e, por ironia do destino, meus principais trabalhos fixos tinham a ver com jornalismo especializado (trabalhei no Propaganda & Marketing e no Meio & Mensagem, em Porto Alegre e em São Paulo). Tudo foi se misturando e passando a fazer sentido. É justamente esta visão misturada que auxilia meu trabalho de gestão em pesquisa e estratégia aqui em Lisboa.
MC: Qual a sua memória sobre publicidade e consumo na infância? E atualmente?
Avila:
A propaganda do Gelol: aquela que o moleque se machuca no meio do jogo, o pai se levanta da arquibancada e passa Gelol no joelho do filho para ele cobrar a falta e marcar o gol (clique aqui e veja este comercial da Duda Propaganda). Essa m**** me emociona até hoje, Freud explica totalmente. Atualmente minha referência está mais do outro lado do Atlântico, e na verdade quase sempre encarando a publicidade de forma integrada ao mix necessário para o negócio acontecer. Tenho que me programar mentalmente para pensar na peça publicitária isoladamente, enquanto “obra”. Mais do que isso, penso que ela pertence a um sistema maior, onde uma andorinha só não faz verão (exceção histórica ao Washington Olivetto, pelo brilhantismo de ter sabido juntar advertising e cultura popular de forma inteligente e altamente estratégica a partir da criatividade). Voltando para o atualmente no Brasil, penso que a diversidade de abordagens da publicidade brasileira, devido ao tamanho e diversidade da sociedade, ​é uma coisa muito forte e relevante. Basta olhar para os festivais que endossam isso.
MC: Quais as alterações no mundo do consumo você percebeu nos últimos anos?
Avila: Essa pergunta é a entrevista inteira! E depende muito do lugar onde você está. Penso que o Brasil caiu em si agora, não estou aí mas vislumbro um cenário onde voltaremos um pouco à clivagem de classes e ao muro que separa quem consegue e não consegue comprar coisas. Ou seja, o acesso ao consumo enquanto capital social máximo, na perspectiva de quem ainda acredita nisso e no velho discurso do exclusivismo pode ficar mais forte.
Claro que este discurso também existe em Portugal. Mas o país foi impactado pelos seus próprios erros e pelo contexto econômico global já anos atrás, por isso está mais evoluído neste “cair em si”: e muita gente já reviu (ou foi obrigada a rever) os seus valores. Os portugueses parecem estar mais conscientes da realidade que se impõe, como lidar com ela e como gerir seus recursos para um consumo possível e agradável. Há uma certa maturidade do comportamento de consumo, somada ao contexto econômico, que vai levando as pessoas a separar relação de marca de relação de consumo – isso é forte e gera enorme confusão nas empresas. Para elas (generalizando, é claro!), se houver marca no processo de compra, que bom; mas o mundo está longe de acabar porque se levou para casa uma “marca branca”, por exemplo. Além disso, o low cost revolucionou o mercado para melhor, e a equação preço com qualidade vai demorar muito tempo para deixar de ser relevante.
O Brasil ainda vai percorrer este choque de realidade inteiro, e penso que estes choques também vão nos ajudar a sair deste, digo eu, lamaçal do politicamente correto da comunicação de marca. Quem trabalha na área tem que ser capaz de perceber curvas preditivas e de antecipar migrações de mindset, e com isso puxar o bonde de uma nova fase. Acredito que o conceito de “pós verdade” atualmente em ascensão, e que está associado às quedas de máscara sobre quem realmente somos, vai render muito nos próximos anos. Os resultados das eleições municipais no Brasil, a candidatura Trump ou o Brexit são coisas “surpreendentes” até a primeira curva, pois apenas derrubam alguma hipocrisia sobre quem realmente somos enquanto sociedade majoritária neste momento. Pode ser que as marcas voltem a ser menos caretas e politicamente corretas e encontrem um equilíbrio entre este “for a better world” sem sal nem açúcar e um pouco mais de arrojo. Entendo que o cenário macro é conservador, há o medo do risco e tudo o mais. Mas seguir nesta toada “querida” passará a ser uma obviedade ultrapassada.
MC: O seu trabalho influencia suas práticas de consumo?
Avila:
Sem nenhuma dúvida. Sobretudo por trabalhar aplicadamente nisso: todos os dias, estou às voltas com o contexto de diferentes marcas, em diferentes categorias de consumo, com diferentes tipos de pessoas movidas por diferentes motivações. ​Aprendo e descubro muito, e isso impacta os meus elementos “variáveis”, e mesmo “fixos” que comentei antes, no meu dia a dia.
MC: Como você se vê influenciando o consumo de uma família?
Avila: Penso nisso todos os dias e, humildemente, acredito que assumo esta responsabilidade naquilo que faço. Não de uma forma paternalista, mas aplicada. Porque a Couture foi criada por dois ex-jornalistas que entraram no mundo da estrat​égia e da inovação a partir de um background teórico e empírico de que havia um excesso de palavras ao vento (e falta de foco no que realmente importa) naquilo que acontece nas relações simbólicas e práticas de consumo por parte das empresas e seus discursos de marca.
Todos os nossos projetos são orientados para aquilo que a marca pode fazer melhor para quem lhe compra, ou pode vir a comprar, ao mesmo tempo que também a beneficia. É muito simples, mas tornamos complicado este processo ganha-ganha por conta da preguiça ou do modelo econômico fundamentado na ganância e na progressão geométrica. Não queremos, absolutamente, que nenhum cliente nosso deixe de prosperar, distribuir dividendos, expandir. Mas há diferentes maneiras de perseguir isso e de entender os impactos que isso traz para o seu envolvente. Sermos contratados por uma empresa para ajudarmos a fazer o que sempre foi feito, mas de forma mais agressiva para conseguir os resultados, não vai mudar nada – nem para ela nem para quem a compra, seja no médio ou longo prazo. É apenas dinheiro, um ciclo vicioso, e não uma evolução ou mudança. Entendo que o “problema” não é a riqueza, mas sim a forma e o mindset sob as quais ela é perseguida.
MC: Qual a responsabilidade da publicidade nesta influência?
Avila:
É a ponta de lança deste raciocínio todo da resposta anterior. Ela representa os pontos de contato, a materialização de tudo, é o que faz da teoria uma prática. É fundamental na forma, na execução, para que todos se entendam. As grandes agências, digo eu, são as que sabem “executar” – sem nenhum demérito nessa palavra, muito pelo contrário.
MC: O que o consumo representa para você?
Avila:
Significado e função.
 

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