Youtubers mirins e modos de ser nas lógicas do consumo

Embora a priori o Youtube não seja indicado ao público infantil – o próprio Google determina, em suas políticas, que a idade mínima para criar uma conta seriam 18 anos -, o que se vê é a crescente expansão de canais para crianças disponíveis da plataforma. Um estudo do ESPM Media Lab sobre o consumo de vídeos por crianças no YouTube identificou que, em 2015, 36 dos 100 canais de maior audiência eram voltados à infância, tendo chegado a 17 bilhões de views. Em 2016, o número saltou para 48, chegando a 50 bilhões de visualizações.
Instigado com essa questão, Marcelo de Andrade, mestrando do PPGCOM da ESPM-SP, vem pesquisando youtubers mirins e como estes passaram a configurar um atraente e inquietante produto.

“Por décadas, os anunciantes encontraram nos intervalos comerciais dos programas infantis, em especial na TV aberta, o principal caminho para conquistar a atenção da criança. Entretanto, nos últimos anos, foi perceptível o desaparecimento dos espaços destinados a esse público na programação das principais emissoras brasileiras. Uma das razões está relacionada com a publicação em 2014 da Resolução 163/201412 do CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), que dispõe sobre a abusividade do direcionamento da comunicação mercadológica à criança e ao adolescente. Desde então, percebe-se uma mudança recorrente nos caminhos utilizados pelo mercado para cativar, entreter e ofertar produtos ao público infantil na internet, ambiente ainda não regulado.”, explica Marcelo.
Nesse cenário, a criança que brinca em frente a uma câmera e agrega legiões de seguidores em seu canal se torna, ela própria, um relevante produto: a garota-propaganda que conversa diretamente com a criança conectada.
Um exemplo é Luíza, uma menina de 9 anos, apresentadora do canal Crescendo com Luluca, com quase 3 milhões de inscritos. Em mais de um vídeo novo por semana, exibe brinquedos, coleções e brincadeiras. Nas produções, fica evidente a ausência da fronteira que separa a vida privada e pública da youtuber, uma vez que particularidades cotidianas são parte integrante do espetáculo, onde presença de objetos de consumo é invariavelmente destacada e marcante. Luíza demonstra uma relação especial com brinquedos que operam como marcadores sociais – objetos que estão disponíveis para todos, mas não ao alcance de todos; distinguindo os que possuem dos que contemplam. Ao enfatizar determinados bens, Luíza ao mesmo tempo marca sua posição social e promove a si mesma.

A fim de parecer divertida e informal, Luíza procura se mostrar uma criança ‘comum’. Para isso, se vale de um artifício reiteradamente presente nas produções dos youtubers: o erro, que ao invés de ser editado e deixado de fora da produção final, ganha papel de destaque no intuito de conferir autenticidade ao conteúdo.

A menina que aparentemente brinca de modo espontâneo em frente da câmera é a mesma que promove o consumo de determinados brinquedos e contribui para um processo de subjetivação baseado nas lógicas de consumo.
Ao se identificar com o estilo de vida de Luluca, os seguidores vislumbram na figura da youtuber o modo correto e desejável de ser uma criança “de sucesso” na contemporaneidade. Essa identificação contribui para que parte do seu público passe a seguir os modos de ser preconizados por Luíza. Amplia-se, assim, a quantidade de fãs que seu canal abarca e, consequentemente, o valor de Luluca como no competitivo mercado das garotas-propaganda online.
Para ler na íntegra o artigo que deu origem a esse post, acesse: http://portalintercom.org.br/anais/nacional2018/resumos/R13-1168-1.pdf
Se você se interessa sobre essa temática e deseja saber mais sobre essa pesquisa, envie um email para: [email protected]

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