Vargas: "Consumo é tempo"

Daniel Vargas, diretor da Black FilmesDaniel Vargas sempre foi fascinado por cinema. Formado em Publicidade pela ESPM do Rio de Janeiro, Daniel trilhou sua carreira em torno da sua grande paixão. Começou no departamento de RTV da DraftFCB e logo pulou para o set de filmagem. Passou 5 anos na Cinerama Brasilis e agora faz parte do time da Black Filmes, trabalhando para grandes marcas como Banco do Brasil, Tim, Panasonic e Petrobrás. Nesse meio tempo, complementou sua experiência com teoria, através de uma pós-graduação em Mídia e Imagem na PUC/RJ. Sua pesquisa abordou a forma como os políticos são retratados no cinema nacional. Conversamos com o Daniel sobre os bastidores das imagens que vemos todos os dias nos anúncios e sobre como a postura mais ativa do consumidor está mudando essas imagens.
 

  1. Ter feito publicidade e trabalhar produzindo filmes mudou a forma como se relaciona com produtos e marcas? O que mudou?

 
Sim, mudou drasticamente a forma como percebo marcas e produtos. Na verdade mudou até a minha relação com a comunicação em geral. Hoje, o meu ouvido já vai desconstruindo as coisas que ouço: o tom, o discurso, tudo. Eu trabalho exatamente criando esses efeitos, então sempre acabo prestando a atenção nessas coisas. Tanto que eu passei a recorrer à literatura para relaxar. Hoje em dia, assistir um filme, um seriado ou a TV é uma tarefa menos relaxante que o livro, onde não tem essas imagens tão milimetricamente construídas. Por outro lado, acabei me dessensibilizando da propaganda, ficou mais difícil me empolgar com um lançamento ou uma idéia que estejam me vendendo. Mas isso também é positivo, agora acabo consumindo com muito mais consciência.
 

  1. Para se fazer um filme é necessário planejar um monte de detalhes, do figurino aos objetos no fundo da cena, das cores às texturas. Hoje vemos consumidores tendo uma visão muito mais crítica sobre esses “detalhes” que poderiam passar batido há décadas atrás. Essa mudança tem tido impacto no set?

 
Sim, com certeza. Hoje temos outra postura do cliente na reunião de pré-produção, que é quando a produtora apresenta suas idéias de como pretende fazer um filme, quais as referências que está usando, quais os objetos que pretende usar. O que eu observo é que tanto o cliente quanto a agência passaram a participar muito mais ativamente dessas reuniões, o pessoal já vai mais ligado e mais interessado na discussão dos detalhes. As vezes questionam detalhes do fundo do cenário, como por exemplo, um abajur num canto de um quarto. Hoje você vê clientes questionando o estilo do abajur, dizendo que o consumidor dele jamais teria aquilo no próprio quarto. E as vezes é um abajur que vai ficar no fundo e provavelmente nem vai aparecer no corte final. Mas os clientes já se preocupam. O problema é que normalmente as discussões ficam baseadas somente em opiniões, ainda não há boas ferramentas para basear a discussão. Fica muito da impressão que o cliente teve observando nas redes sociais. A gente fica feliz que haja mais interesse, mas as discussões acabam sendo muito etéreas.
 
Sob outro aspecto, tem impacto no trabalho de atualização da produtora, que hoje precisa estar muito ligada nas tendências visuais. Hoje as redes sociais permitem que certas tendências ganhem força com rapidez. O público que eu normalmente trabalho – classes A e B – está usando com intensidade o instagram e isso acaba refletindo no comportamento do próprio público ir acumulando referências e ir afinando um senso estético próprio. E tudo isso de maneira bastante rápida. Acaba tendo um impacto grande no meu trabalho também. Hoje você vê consumidor comentando algum problema de cor no vídeo ou manifestando preferência por um ou outro tipo de filtro.
 
Sem dúvidas há muito mais diálogo do que no passado. O legal é que dá para construir muito mais coisas em cima dessas trocas. Acabou multiplicando as linguagens visuais possíveis.
 

  1. Como você se vê influenciando o consumo de uma família?

 
Eu gosto muito de pensar no subtexto que a imagem permite. Se a gente usa filmes e séries como referência acaba sempre ficando meio gringo. Então, uma coisa que eu sempre procuro fazer é trazer algo de brasileiro, algo de original, para tudo o que eu faço, desde a composição étnica dos atores até a representação de uma casa de família. Eu acredito que aspiracional não precisa significar cara de americano ou europeu. Eu busco criar imagens aspiracionais que seja construções estéticas próprias da gente. O Brasil produz muita estética interessante e podemos aproveitar isso. Acho que tentar dar cara de Londres para o Rio de Janeiro é insípido, temos que ter uma consciência de que estamos construindo uma imagem. E acredito que quando as pessoas reconhecem esse esforço, elas se sentem mais respeitadas.
 

  1. Qual a sua memória mais nítida sobre publicidade e consumo na infância?

 
O que eu mais lembro eram as propagandas de brinquedo. Eu lembro de uma do Comandos Em Ação em que as crianças iam brincar no gramado e isso me dava idéia, eu ia para o gramado brincar também! E lembro muito bem de em 1996 assistir o relançamento do Star Wars no cinema e de sair de lá direto para a loja de brinquedo comprar o boneco. Eu lembro que isso me dava a sensação de poder participar da história, de ser amigo dos personagens, de poder criar outras histórias.
 

  1. O que consumo representa hoje para você?

 
Para mim, consumo é tempo. Pode ser um livro que você não tem tempo para ler, mas o livro está lá te esperando, você comprou. Acho que o que você comprou, são coisas com as quais você gastou o seu tempo, então elas acabam sendo parte de quem você. Quando uma pessoa vai na sua casa e vê todas as coisas que você comprou, que você consumiu, ela te conhece melhor. Para mim o consumo é uma maneira concreta de representar o tempo. Seja o tempo que você vai gastar exercendo uma atividade ou consumindo um produto, seja o tempo que você gostaria de ter para fazer aquela coisa. Uma viagem, por exemplo, é repleta de coisas que você compra para ter uma história, para ter vivido aquele tempo.

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