Alimentação e mídia a partir do consumo de café

Alimentação, consumo e mídia são assuntos muito potentes na atualidade, principalmente se pensarmos na atuação destas três instâncias entre si. Essa é a proposta do artigo “O Café é o Novo Ovo? Publicização Jornalística das Notícias que Relacionam Café e Saúde” de Tânia Hoff – Doutora pela FFLCH-USP, docente do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Práticas de Consumo, PPGCOM-ESPM, e líder do Grupo de Pesquisa “Comunicação, discursos e biopolíticas do consumo” – e Lucas Teixeira – Doutorando e Mestre em Comunicação e Práticas de Consumo pela ESPM. Pela mesma instituição, vinculado aos Grupos de Pesquisa Biocon (Comunicação, discursos e biopolíticas do consumo) e Nema (Neurociência aplicada ao marketing).

Neste artigo os autores traçam uma trajetória do café do ponto de vista comunicacional– com foco em uma agenda de notícias que ressaltam o valor do café para a saúde daqueles que o consomem –, ou seja, fazem um caminho na perspectiva de fortalecimento da comunicação como um espaço de produção de sentidos no tecido social – uma metanarrativa voltada ao consumo.

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O artigo traz, em três partes, uma análise da mídia contemporânea e de sua relação com o sujeito neoliberal, seguida de notícias selecionadas a partir da newsletter do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), finalizando com a análise do universo discursivo e ideológico presentes nesses textos tomando como princípio a relação café, saúde e consumo alimentar. 

Os autores iniciam com uma definição de quem seria esse sujeito neoliberal, ou seja, o consumidor. Explicam que este consumidor contemporâneo vê nas práticas de consumo elementos para a construção de identidades e exercício da cidadania (HOFF; TEIXEIRA, 2019, p.57). Ou seja, um consumidor que tem sua mentalidade definida pela circulação de bens no tecido social – sendo que esta circulação seria ilustrada e direcionada pela publicidade. Este fator é importante ao pensarmos a presença e a validade da publicidade na vida deste sujeito. 

Após esta definição, os autores definem o corpus de pesquisa: seis artigos extraídos da newsletter do Cecafé entre os meses de outubro e novembro de 2018. As notícias foram classificadas entre negativas, positivas ou neutras em sua abordagem sobre café e saúde e originárias de diversos países como México, EUA, Brasil e Espanha – sendo que, um dos critérios de seleção foi a escolha de países com o maior número de apontamentos na newsletter. A partir disso, para realizar a análise do discurso das notícias, os autores apontam os pontos negativos e positivos presentes em cada uma das matérias em relação ao consumo do café. 

Emergem de modo intenso as características positivas do café se comparadas com as negativas: 36 contra 12. Vale ressaltar também que algumas das informações são contraditórias – por exemplo: numa reportagem, afirma-se que o café ajuda a perder peso e, em outra, já no título é enunciado que isso é mentira. Outro ponto a salientar refere-se ao número de xícaras recomendadas: as notícias indicam que entre três e cinco xícaras diárias seria um consumo saudável para um adulto. (HOFF; TEIXEIRA, 2019, p.65)

Os autores então debatem a potência do discurso da saúde associado, nestas notícias, ao café. Como uma bebida pode ser sinônimo de beleza, bem-estar, longevidade e outros fatores que influem o seu consumo – pensando ainda que tais notícias são originárias de um conselho de exportadores de café. Diante disso, somos levados ao pensamento da formação de opinião a partir das práticas discursivas empregadas nas notícias – o artigo traz a biossociabilidade para o campo da saúde, como as regras impostas por esse sistema social influem na relação entre sujeito e corpo saudável e levam ao consumo do alimento “milagroso”.

Em conclusão,

Por meio da ADF, foram identificadas formações ideológicas e discursivas que revelam a circulação de sentidos e as interações discursivas produzidas nas newletters destinadas aos associados do Cecafé. As notícias ali publicizadas associam o consumo da bebida ao ideal de vida saudável e produtiva, atribuindo ao produto sentidos distintos daqueles propagados há algumas décadas. Tal transformação dos sentidos desvela o funcionamento da mídia articulada às práticas de consumo: a circulação de notícias sobre benefícios de certos alimentos para a saúde integra a lógica do capitalismo contemporâneo, caracterizado pela racionalidade neoliberal. A relação entre café e saúde presente nas notícias publicizadas confere capital simbólico ao café, tanto na dimensão dos negócios, quanto na do consumo da bebida, pois trata-se de uma formação discursiva dominante, que representa valores de grupos melhor favorecidos nas relações de poder, como empresários e produtores do setor cafeeiro. (HOFF; TEIXEIRA, 2019, p.71)

Os autores concluem que é possível perceber no funcionamento do discurso um movimento que revê o posicionamento de determinados alimentos frente ao tecido social, ressaltando que a mídia põe em circulação as biossociabilidades do consumo, que engendradas pela concepção neoliberal, promovem as interrelações entre ideal de boa vida, saúde, gestão de si e consumo de café (HOFF; TEIXEIRA, 2019, p.72). Sendo que esta relação e gestão livre de si podem ser perigosas na alçada da culpabilidade do sujeito na perspectiva da falha de elementos prometidos pelas notícias. De todo modo, os autores percebem um forte elemento presente nos estudos contemporâneos de mídia: o poder da mídia de colocar sujeitos, fenômenos, produtos e suas reverberações em agenda.

REFERÊNCIA: HOFF, Tânia; TEIXEIRA, Lucas. Café é o Novo Ovo? Publicização Jornalística das Notícias que Relacionam Café e Saúde. MÍDIA E COTIDIANO, v. 13, p. 52, 2019. 

Daniel Zacariotti

Mestrando em Comunicação e Práticas de Consumo pela Escola Superior de Propaganda e Marketing – ESPM, realiza pesquisas com foco em audiovisual, gênero, decolonialidade e Teoria Queer. Atua como Diretor e Produtor em projetos audiovisuais dentro do Coletivo Composto.

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