Ditos e não-ditos: o Brasil e as práticas de consumo nos autoanúncios das agências de publicidade nos anos 1950

peggy
Introdução
A narrativa publicitária traz em seu bojo valores, implícitos e explícitos, do contexto histórico no qual ela foi enunciada. O texto de um anúncio, por exemplo, é estruturado por dizeres relativos fundamentalmente aos atributos do produto ou serviço divulgado, mas que deixam à mostra representações sociais e certos investimentos no imaginário coletivo.

À margem desses dizeres, há um universo de não-dizeres que são silenciados: 1) pela impossibilidade natural de serem ditos se, em seu lugar, algo já o foi; e 2) pela estratégia discursiva adotada por seu enunciador, que privilegia determinados ditos, em detrimento de outros que não lhe convém mover por diversos motivos – o principal deles, certamente, porque não promovem tão bem a mercadoria anunciada quanto os dizeres escolhidos.

Esse é o nó ideológico que a publicidade nunca afrouxa, a chave de sua retórica, e, por isso mesmo, razão das mais veementes críticas endereçadas a ela. Se, como afirma George Péninou (2005), a narrativa publicitária está enraizada na criação de um mundo favorável ao produto, capaz de gerar empatia junto ao público-alvo, para que ela se sustente, sempre forçará o enunciador – o anunciante, embora a mensagem seja elaborada, por encomenda, por uma agência de propaganda – a eleger seus ditos em função dos objetivos de comunicação e em concílio com o plano de marketing estabelecido.

O interesse por investigar os ditos e os não-ditos da narrativa publicitária, esses dois vetores de análise do discurso que podem ser estudados em um sem-número de situações discursivas, e a nossa trajetória como pesquisadores das relações entre comunicação e consumo levaram-nos a fazer esta pesquisa sobre a publicidade nacional na década de 1950. Moveu-nos o desafio de averiguar esse período em virtude de nele se concretizar o crescimento acelerado do país, graças ao desenvolvimentismo do presidente Juscelino Kubitschek, que atraiu capital estrangeiro para viabilizar seu plano, sintetizado no slogan “50 anos em cinco”.

Nosso objetivo foi, no plano geral, estudar o discurso produzido pelas agências de propaganda para divulgar seus próprios serviços no período de urbanização do Brasil e de modernização de seu parque industrial, e, no plano específico, discutir e analisar, por meio desses anúncios de época, o discurso publicitário e suas relações com o consumo (entendido não unicamente como ato de compra, mas, sobretudo, como prática sociocultural então em franco alargamento no país).

A mencionada delimitação temporal nos permitiu trabalhar com a memória discursiva, buscando na narrativa publicitária os imaginários que teceram os alicerces da cultura do consumo no Brasil. Essa década em que a cidade se instituiu como referência de imagem da nação e em que a industrialização, pelo menos no âmbito do desejo, passou a apontar outros modos de viver, foi particularmente rica no que se refere aos imaginários, pois o novo Brasil – ainda em construção – não existia senão em narrativas, que, longe de serem “fantasiosas” ou “falsas”, produziram efeitos de verdade e alimentaram a formação de nossas subjetividades urbanas.

Nessa perspectiva, levamos em conta as duas formas de estruturação da memória coletiva postuladas por Michel Pollak (1992), que nos auxiliaram a compreender a narrativa publicitária como um documento de época: segundo esse autor, existe uma “memória oficial” que seleciona e ordena os fatos segundo certos critérios como zonas de sombra, silêncios, esquecimentos e repressões; mas também existem as “memórias subterrâneas”, ligadas a quadros familiares, grupos étnicos, políticos etc. que transmitem e conservam lembranças proibidas, reprimidas ou ignoradas.

 
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Este artigo foi publicado originalmente na Revista Organicom v. 12, n. 22 (2015) da ECA/USP.

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