Mentor da publicidade que se desenha

Talvez você o conheça do Facebook, ou do Twitter. Mentor Neto acumula em torno de 180 mil seguidores em cada uma dessas redes, e quase 16 mil no Instagram. Bastante ativo, publica quase diariamente, desde antes que o termo “influenciador” fosse criado. Suas postagens são crônicas do dia a dia, que deram origem às coletâneas “Ódio, Raiva, Ira e Outros Prazeres Diários”, “Proibido Estacionar e Outras Histerias Urbanas” e “Família, Amores, Amigos e outros usos do Prozac”. Seus escritos por vezes falam de política, outras, dão dicas de serviços, ou ainda tratam de propaganda, atividade que exerce há 35 anos.

Mentor Neto, sócio e CTO da agência Bullet. Foto: J.R. Duran
Mentor Neto, sócio e CTO da agência Bullet. Foto: J.R. Duran

Formado pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), Neto trabalhou na Criação de ALMAP, J. Walter Thompson e McCann; até assumir em 1992 a Direção de Criação da Bullet, uma das maiores agências de Marketing Promocional do País, da qual é sócio desde 1998, e hoje é também CTO – Chief of Tendencies Officer, a cargo da plataforma digital da agência, o YouIn. Com tamanha dedicação à escrita, era de se esperar que tivesse sido redator, mas, na verdade, o publicitário sempre trabalhou como diretor de arte. Isso mostra sua versatilidade: personifica a figura do “redator de arte”, como a área carinhosamente apelida aqueles que conseguem sozinhos ser a própria dupla de Criação.

Difícil imaginar que Mentor Neto pretendia se tornar médico. Assistindo à série MASH, popular nos anos 70, ficou encantado com a informalidade que os cirurgiões trabalhavam. Chegou a se formar como técnico em Laboratório. Como sempre desenhou (inclusive durante todo o tempo que passamos conversando), sua tia, que era vizinha do Diretor da Criação da Almap à época, conseguiu que fizesse uma visita à agência durante o período do cursinho pré-vestibular. No elevador, ouviu uma conversa entre dois profissionais. “Eles discutiam a mudança da fonte de uma peça. Eu fiquei fascinado”, comenta. Anos depois, se tornaria colega dos dois diretores de arte que encontrou no elevador. Até hoje sente saudade do cheiro de tinta que impregnava a sala.

“[A Propaganda] não foi uma paixão, foi algo que aconteceu”, confidencia. “Fui um péssimo diretor de arte. Levei muito tempo para entender o que eu estava fazendo ali”, desabafa, com a humildade de quem acumula mais de uma centena de prêmios em festivais como Cannes, D&AD e London Festival à frente da Criação de sua agência; também foi jurado no CannesLions Festival, onde conquistou os dois primeiros Promo Lions para o Brasil; e em 2014 e 2015 foi escolhido como um dos três mais importantes profissionais de Marketing Promocional pela pesquisa do Grupo Consultores, e em 2016, foi selecionado como um dos 10 profissionais de criação da década, segundo enumera a página do Effie Awards Brasil.

Sociedade em rede

Pergunto como começou essa relação com o digital e ele me conta que primeiramente ficou encantado com o Twitter. O imediatismo de escrever e logo ter a reação das pessoas sobre seus escritos. Sem grandes pretensões. “É gostoso e só. Escrevo porque é engraçado”, explica, referindo-se a seus textos de humor. “Gosto de pensar que, fazendo alguém rir, dou uma melhoradinha de algum jeito na vida da pessoa”, ainda comenta. Mas quis desvirtualizar e tornar real suas crônicas, ao imortalizá-las na forma de livros. Sugestão do fotógrafo J.R. Duran, seu amigo desde o início da carreira.

Sua alta produtividade, de quase um texto publicado nas redes sociais por dia (apesar do trabalho na agência), além da sua coluna semanal na “Revista IstoÉ”, é conseguida à custa de muito sono perdido: dorme apenas de duas a três horas por noite. Defende ainda que são redes diferentes, com modos de funcionamento totalmente diversos. “No meu caso, o leitor do Facebook é mais exigente e engajado. No Twitter, se faço uma piada óbvia, faz sucesso, mas se peço para fazerem doação de sangue, ninguém aparece”, exemplifica.

Novo modelo de agência

Neto defende que o modelo de propaganda “one size fits all” (um só número serve para todos, em tradução livre para o português) não funciona mais. Para isso, dá como exemplo o Jornalismo, que tem seu modelo de negócio sendo discutido em todo o mundo nos dias atuais. “O Juscelino [Kubitschek] ia para Brasília e uma semana depois era notícia. Hoje o ciclo de notícias, que é uma das matérias-primas para a criação publicitária, é tão rápido que a notícia às vezes é divulgada antes do fato em si”, relata.

Tal fato, “Pegou desprevenido o mercado de Jornalismo, que precisou se adaptar a fórceps. Mas ainda é um processo lento de transição. O The Washington Post entendeu que é minuto a minuto, e agora conta com estrutura de 24 horas”. Tanto é que o periódico americano, ao contrário de tantas outras publicações, teve dois anos consecutivos de lucro, 2017 e 2018, com números de assinantes recorde da edição digital.

O profissional aposta que o formato tailormade (feito sob medida) para cada campanha, empregado pelas agências, precisa ser revisto. “Não existe mais o prazo que criou esse modelo”, afirma. Isso exige mudar não apenas o jeito de fazer, mas mexeria igualmente no modelo de faturamento, de estrutura, de métodos e de produto final. “Essa mudança é tão importante para nosso negócio, que me dedico ao YouIn exatamente para desenhar para onde podemos levar a agência.”

“Quer falar com um milhão? O comercial de 30 segundos do intervalo da Globo tem um preço padrão de execução e criação fechados. Mas hoje o data science permite trabalhar um para um com o consumidor como o jornalismo, sem tiro de canhão”, fala Mentor Neto.

“Netshoes, por exemplo, tem sua presença online avaliada minuto a minuto. Só que a agência não pode cobrar minuto a minuto do consumidor como o jornalismo conseguiu com o modelo de micropayments. Então é uma questão de sobrevivência encontrar este modelo. Success fee é uma das saídas, mas para isso muita coisa precisa mudar”. A solução oferecida pela Bullet/YouIn é possível usando o big data e a mineração de dados, a partir do ambiente digital e com o uso de inteligência artificial, que possibilitam o cruzamento de dados e informações. Mas é restrita ao seu mercado, em que a participação numa promoção depende do preenchimento de cadastro. E como no uso do CPF para se ter acesso às ofertas da farmácia, o consumidor permite o acesso a seus dados. “O projeto é conhecer cada consumidor que abordamos por meio da construção de cadastro da promoção, então gerimos essa informação e entregamos um benefício”, resume o publicitário.

“Sai de uma publicidade genérica. Você consegue entregar um conteúdo mais ‘nichado’. Você deixa de simplesmente atender à necessidade do cliente; e no digital, eu consigo cobrar por consumidor, o preço da mídia pela audiência que se quer atingir. No meu caso, meu modelo de faturamento não vai mais ser genérico”, diz, reforçando que o custo da ação poderá ser calculado baseado em quaisquer taxas de sucesso (KPIs), como a quantidade de produtos vendidos. Ou seja, o custo para o cliente da agência será precificado de acordo com o volume de pessoas que se pretender alcançar, o que acontecerá de maneira 100% precisa.

Em vez do genérico; a precisão. Sai a publicidade massificada; entra a personalização do conteúdo. Os dados e bytes do digital permitem não apenas conhecer melhor o consumidor, como falar quase diretamente com ele, e cobrar do cliente por audiência que se pretende atingir. Novidade que se desenha para quem não tem medo de inovar. Questiono como é chegar a esse lugar de publicitário premiado, sócio e CTO. “É uma tensão boa, constante. Uma estrutura como a Bullet, com uma centena de profissionais, não permite que a gente relaxe. Sem falar nas minhas filhas, que têm esse hábito de precisar comer todos os dias. Então não dá pra parar”, conclui rindo.

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