O que a CasaCor me falou sobre consumo

 

Ambientes falam! Entrei no quarto do crush da escola.
Não era um cômodo qualquer. Bem, era uma decoração ordinária, com móveis das Casas Bahia e pôsteres na parede. Mas, para mim, era uma exposição über VIP sobre o universo daquele adolescente.
Os adesivos da 89FM e da MTV na janela, os CDs do Nirvana espalhados, um violão, um suéter do HardRock Café….tudo para mim recitava poesia. Poderia passar horas lá, fazendo a arqueologia de cada achado.
Bem, isso faz mais anos do que gostaria de admitir. Mas outro dia, visitando a exposição de decoração CasaCor, em São Paulo, subitamente acessei essa memória esquecida.
Me peguei imaginando como seriam os moradores de 4 ambientes – provavelmente os mais poluídos da exposição, onde a presença de mais objetos cênicos me possibilitou abstrair e concebê-los como lares. Um dos moradores seria um rico empresário turco (ou marroquino?), mas sobretudo era uma pessoa do mundo. O outro era uma tradicional senhora fiorentina, ou veneziana, que nunca havia saído da Itália. Decidi que último era um jovem cosmopolita londrino, a despeito de depois ler que o ambiente foi inspirado em mulheres. O último morador fictício era uma brasileira. Estabeleci que seria a Regina Casé. Para proteger minha imaginação, evitei ler folhetos ou placas explicativas.
Entre esses 4 lugares que me tocaram misteriosa e fortemente, dezenas de outros cômodos simplesmente não me afetaram. É curioso perceber, parafraseando Roland Barthes, que “alguns ambientes me acontecem, outros não”.
A maioria dos ambientes sob atenta curadoria e com mesmos os objetos da moda, um tanto repetitivos, me lembraram recepções ou salão de festa de prédios luxuosos, folhetos de “viste decorado” e lounges de shopping center.
Vi consumidores grifados acompanhados de seus decoradores encomendando espaços similares e comentando que tal coisa “é top”, “é tendência” e “fulano tem igual”. Nesses momentos, confesso, pensei no consumo em termos de Giles Lipovetsky e sua sociedade do hiperconsumo.
Mas eis que caia em algum ambiente singular, pontuado por brinquedos estranhos, um dominó usado, uma foto de família, um cartão postal e outros objetos prosaicos que faziam minha imaginação voar como a da menina no quarto do crush.
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Porque não eram os objetos mais comuns de serem exibidos me fizeram crer que não estariam ali dispostos para demonstrar distinção, mas porque significariam algo para um suposto morador. De toda a exposição, foram essas pequenas coisas – aparentemente detalhes sem importância – que mais me contaram histórias: as suas próprias e as biografias dos que circulariam à sua volta. Como nos contos de Machado de Assis, onde um simples alfinete narra as mais curiosas aventuras. Ao modo da canção Me Revelar, da Zélia Ducan, que nos faz pensar sobre como os objetos permitem entrever a singularidade do nosso mundo interior. Por esse outro prisma, um consumo completamente diferente se descortina, deliciosamente, de mãos dadas com Arjur Appadurai e a vida das coisas…
Como bem colocou Néstor García Canclini, “consumo serve para pensar”.  E como.
 
Se você se interessou por essa reflexão, seguem as referências desse texto:
APPADURAI, Arjur. A história das coisas: as mercadorias sob uma perspectiva cultural. Niterói: Eduff, 2009.
ASSIS, Machado de. Obra completa.  Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.
BARTHES, Roland. A câmara clara. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.
CANCLINI, Nestor Garcia. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro: UFRJ, 2015.
LIPOVESTSKY, Giles. A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade do hiperconsumo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
www.letras.mus.br/zelia-duncan/43889/
😉

 

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