Pegadas do consumo

Ando apaixonada pelo livro Empire of Things: how we became a world of consumers, lançado em 2017, ainda sem tradução para o português. Por meio desse livro, o historiador Frank Trentmann leva o leitor a uma viagem por quase 6 séculos de história a fim de compreender a contribuição do consumo na aventura da humanidade. Longe de abordar o fenômeno como um mero sinônimo de consumismo, o autor está mais interessado em entender o consumo do que em condená-lo. Não significa, contudo, que mantenha uma visão ingênua ou desconsidere os impactos que a escalada do consumo teria ao longo de todo ciclo de vida dos produtos.
Já no primeiro parágrafo, o fato: “Vivemos cercados por coisas. Um alemão típico possui 10mil objetos (!). Em Los Angeles, uma garagem de classe média geralmente não abriga mais um carro, mas centenas de caixas de coisas. O Reino Unido em 2013 foi o lar de 6 bilhões de roupas, cerca de cem por adulto; e um quarto delas nunca sai do guarda-roupa.”
Podemos um dia vir a descartar tudo isso, mas se há algo que não se pode descartar é o impasse resultante da escalada da produção/consumo versus os limites ambientais. O que fazer com relação a isso?
Há décadas o chamado consumo verde buscar fornecer “pílulas de solução”, sugerindo aos consumidores pequenas mudanças de hábito que supostamente seriam capazes de salvar o planeta. Podemos admitir que esses hábitos de consumo, rotulados como ecologicamente corretos, tenham ficado mais conhecidos e até mais praticados, mas o problema parece longe de estar em vias de solução. Para os críticos, essas pílulas de solução são pequenas demais, ou dispersas demais ou românticas demais – ou simplesmente equivocadas.
Pegada Ecológica Na década de 90 o biólogo William Rees e o ambientalista Mathis Wackernagel criaram uma métrica curiosa: a Pegada Ecológica (Footprint, em inglês).
Um cálculo, sistematizado em forma de teste, confronta variáveis de consumo a índices de biocapacidade (o quanto os recursos naturais suportam a atividade humana sem pender à destruição):  www.suapegadaecologica.com.br.
O instrumento permite que qualquer pessoa estime a sua fatia no total do impacto ambiental – ou a sua pegada ecológica.

Ao final do teste, o respondente descobre quantos planetas seriam necessários se os quase 8 milhões de habitantes da Terra mantivessem práticas de consumo semelhantes. Mas não significa, necessariamente, que o leitor deva sentir-se culpado ou desesperado (nem mesmo simplesmente despreocupado, no caso de um resultado tranquilizador). Como Trentmann, busquemos entender, antes de nos apressar em condenar.

Quem não gostaria de responder que usa bases energéticas limpas e renováveis, que se desloca pouquíssimos quilômetros diariamente, que recicla todo o seu lixo reutilizável, que corresponde ao menor nível de compras do questionário? Mas somos parte de uma estrutura, de uma economia, de uma cultura. Uma cultura de consumo, afinal de contas.
Se há uma cultura de consumo, é preciso pensar o consumo. E consumo é muito mais do que compras. É um processo dinâmico, que passa por diversas fases. Como consumidores, atuamos nas etapas de compra e uso, mas não nos inteiramos da história completa das coisas. Para quem é produtor, é natural focar nas fases de produção e distribuição. Daí o mérito do teste da pegada ecológica: oferecer outro ponto de vista, outro ponto de partida por onde pode-se (deve-se?) pensar o consumo.
Existem vários jeitos de contar uma mesma história.
 

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