“Política não é diálogo. É preciso desconstruir afetos fazendo apelo a um afeto mais forte”
A relação de Vladimir Safatle com a Escola Superior de Propaganda e Marketing é de longa data. Além de ter se graduado na instituição, também coordenou o programa de mestrado. Foi nesse clima de velhos conhecidos que o professor da USP conversou com o Memorial do Consumo após palestrar para o auditório lotado do 6º Simpósio Internacional em Comunicação e Consumo, em 09 de outubro, como parte da programação do Comunicon 2018.
Sua pesquisa, que consumiu quatro anos, é focada na estrutura política e na transformação social e o circuito dos afetos, para além da esperança e do medo, com o objetivo de pensar políticas pós-comunicacionais em prol de uma visão mais integrada. Conteúdo que pode ser conferido em seu livro “O Circuito dos Afetos: Corpos Políticos, Desamparo e o Fim do Indivíduo” lançado em 2015.
Safatle participou da mesa “Narrativas Midiáticas, Populismos e os Consumos do Outros”, que também contou com a presença de Ângela Cristina Salgueiro Marques (UFMG) e Marwan Kraid (Annenberg School for Communication), e moderação da docente do PPGCOM ESPM Rose de Melo Rocha.
Palestra que poderia ter sido e a que foi
De início, desculpou-se aos participantes do evento explicando que no dia anterior tinha perdido os arquivos de seu computador e, portanto, também a apresentação que faria. Então a saída foi ir descrevendo as imagens que que não podíamos ver. E, não, isso não prejudicou em nada sua fala.
A primeira figura que evocou foi a do menino refugiado sírio morto na praia e destacou que uma simples imagem teve o poder de levar à revisão das políticas restritivas ao acolhimento de imigrantes e refugiados, que iam contra tratados assinados pelos países em caso de Guerra.
O colunista do jornal Folha de S.Paulo contou ainda que monitorou os comentários sobre a foto em quatro sites internacionais, e entre as reações encontrou frases como “Parem de mostrar esta foto, ela nos traz uma sensibilidade que impede o raciocínio”.
A partir daí, explicou que apesar da crença de que na política deva prevalecer o racional, na verdade, trata-se de um campo de emoções. Em suas palavras, o debate político não é sobre ideias, mas formas de vida, que envolvem afetos específicos. “O que significa liberdade? Para cada um é uma coisa”, exemplificou. “O que está em jogo são processos de reconhecimento, memórias, opções, julgamentos e valores, que mobilizam as emoções. Não há nada de racionalidade”, disse ainda.
Afetos políticos
Citando Leviatã e Thomas Hobbes, descreveu que o afeto que funda a vida social é o medo, o que constitui os vínculos, com a necessidade de segurança e proteção. E em suas palavras, a função do Estado nunca será livrar do medo, mas geri-lo. Lembrar aos cidadãos o o que pode ocorrer.
“Política não é diálogo. É de um iluminismo pueril pensar isso. Em uma conversa de posições divergentes, pensa-se que outro não deve estar entendendo minhas razões, então eu vou explicar mais devagar. Tentem fazer isso em casa. Vejam se dá certo. É preciso desconstruir afetos fazendo apelo a um afeto mais forte”, esclareceu à plateia.
Antes da divulgação da fotografia as populações mundiais estavam mobilizadas pelos afetos do medo e da insegurança contínua, e a preocupação com suas fronteiras, mas a força indutora da imagem fez com que a Alemanha integrasse 800 mil refugiados.