Quando nos falta a palavra, sobre o que escrever? Vazio e excesso nas práticas de consumo

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Anos atrás, o pesquisador francês Jean Baudrillard, conhecido como teórico da pós-modernidade – alcunha que, aliás, rechaçava – foi preciso ao diagnosticar a raiz do mal-estar que acometia as contemporâneas sociedades midiáticas. Nossa doença é a dos excessos, em especial, segundo compreendia, os excessos de informação. Viveríamos, escreveu Baudrillard, uma obesidade da informação. Uma obesidade paradoxal, é verdade, pois, quanto mais inchada a informação, menos ela de fato pode comunicar. A comunicação pereceria, nestes termos, devido a um processo hipertélico, caracterizado justamente pela proliferação indiscriminada que conduziria o sistema a dinâmicas entrópicas e explosivas.

Quais seriam as principais vítimas deste consumo excessivo de informações, deste consumismo informativo desenfreado? O corpo, na linha de frente, teria desaprendido sua razão. De tanto ver, não sabia mais olhar, de tanto escutar, não sabia mais ouvir, de tanto operar, desaprendia de sentir, de tanto performatizar, desaprendia o pensamento, a imaginação, o sexo, o amor.

Nesta derrocada física havia, portanto, algo de profundamente informativo. Talvez, se ouvisse às provocações baudrillardianas, Guy Debord, o notável pensador do espetáculo, tremesse estarrecido em seu próprio visionarismo. O corpo havia sucumbido às seduções imagéticas, conduzido que estaria à espetacularização do viver. As relações humanas, por sua vez, perdendo-se na estetização irrefreada, atingiam planos metafísicos capciosos. Tornavam-se fatos de imagem, mas perdiam seus afetos de imaginação e vinculação efetiva. Como em um balé de neons, os humanos se faziam de espectros, espectros que animavam o espetáculo.

Qual o caminho possível de enfrentamento desta obscena obesidade informativa? A desintoxicação voluntária. E em que ela consiste? Proponho como enfrentamento da hipertelia informacional um modo de consumir a comunicação que nos distancie da consumação. Portanto, nos distanciará do prazer intenso da adição: imago-adição, informa-adição, ego-adição. Falemos menos, para talvez dizer mais. Escutemos mais, para talvez melhor ouvir. Encontremos, como diria Baudrillard, os olhos para ver. Na sociedade da hiper-informação, o consumo talvez devesse buscar um norteador poético a partir do qual melhor se humanizar.

Não por acaso, Lucien Sfez, mais um pensador francês a acompanhar-me neste argumento, disse que o grande investimento social se dá hoje em tecnologias da alma, do self. Delas, Sfez se aproxima com curiosidade e cautela. A elas apresenta a resistência, a resistência da interpretação. E, retornando a meu próprio discurso, pergunto: que interpretação dirigir às “tecnologias da adição”, a toda esta cultura da urgência, do excesso e do descarte, que tão brutalmente fere o tempo lento de nossas subjetividades?

Para responder a esta questão, deixo-me levar pelos braços e pela escrita de um poeta, analista da modernidade que não se furtava a admirar o admirável mundo novo das vitrines, do comércio, das ruas. E Charles Baudelaire o fazia, dizendo: “Embriaga-te. De vinho, poesia ou virtude. A seu critério”.

Embebedemo-nos de utopia, caros amigos. Para sonhar, de corpo presente, um futuro melhor para nós mesmos e para nossa famigerada sociedade da informação. Em que sejamos senhores de nossas palavras e de nossas comunidades. Como bem comum: a integridade. Como horizonte: a pluralidade tolerante. Talvez assim, de espectros felizes, de seres assujeitados à voracidade informativa, tomemos a palavra. Para sermos senhores de nossos próprios discursos. Estes mesmos que nos agregam. Com a mesma potência com que nos podem cindir. Minha utopia, leitores, é a utopia da comunicação. Minha utopia é a deste sonho que, felizmente, não sonho sozinha. É, portanto, de um novo imaginário que falo. E, nele, como faz tempo venho dizendo, consumo não equivale a consumismo, nem tampouco a consumação. Calo-me agora. E desintoxico-me.

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