A comunicação viva da publicidade, plena de afetos e silêncios

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Eu te amo calado, como quem ouve uma sinfonia De silêncios e de luz (Lulu Santos)

Um torpedo disparado em direção à sensibilidade. É assim que percebo o filme da operadora de celular Vivo, para seus serviços SMS, em veiculação na TV neste segundo semestre de 2010. Em trinta breves segundos, vejo uma narrativa que pouco traz de novo, que reitera outras mensagens para a própria marca. Mas há nela algo que escapa de racionalizações ou das possíveis saturações de estímulos, bombardeados que somos, a todo o momento, pelas estratégias midiáticas e retóricas do consumo, em suas mais variadas mediações. De súbito, como consumidores, podemos nos afetar profundamente – e como analistas do discurso, precisamos compreender os afetos que nos mobilizam, como já apontara Muniz Sodré. Identificar na linguagem as afetações humanas traduzidas em estratégias, o que implica em estabelecer elos com os sujeitos, consumidores midiáticos, seres emocionalmente vulneráveis, apesar da paisagem agreste da vida. Se não sempre, às vezes, por trinta longos e profundos segundos.

Os dois primeiros planos do comercial apresentam os protagonistas da micronarrativa: um jovem casal que troca torpedos. Com um discreto sorriso de lábios, ela escreve em seu celular. Ele, andando em meio ao movimento da gente apressada da cidade, lê a mensagem, simples, direta: “To na sorveteria…”. A resposta chega e transforma o sorriso da garota, agora vibrante, aberto, porém silencioso: “Tem lugar pra mais um?”

Uma pergunta. Que tem a leveza da certeza da resposta, do elo emocional que une os dois, do lugar cativo no coração. O que se lê no visor do celular dela alimenta esta leitura: “Pra você, sempre!”. A exclamação é colocada com ênfase pela garota, num instante fugaz em que acompanhamos o pequeno gesto de tocar a tecla com convicção, como metonímia de um estado de alma, da entrega plena do coração. Mensagem enviada.

Em flashes, vemos o rapaz montado em sua bicicleta, deslocando-se por sobre uma passarela. Traz impressa na face uma alegria tranquila, sinal discreto da dimensão oceânica do sentimento que comporta em si. O ritmo é suave e delicado, das pedaladas, da montagem audiovisual, da canção melódica, sensível, um tanto melancólica – de uma jovem cantora folk ucraniana, de voz bela e intrigante, chamada Lana Mir – “These days”, hit improvável entre jovens brasileiros na internet por conta desse filme publicitário. Sinal dos tempos.

A bicicleta interrompe seu movimento. Ao fundo, mediada pela vitrine da sorveteria, a garota, de olhar perdido e ansioso na espera, transmuta-se em alegria pura no encontro. Tem nos olhos o brilho da paixão. Em sua imensa euforia, há um quê de infância, da ingenuidade e da confiança reservadas aos seres premiados com a sintonia entre corações. Em tempos áridos, de relacionamentos que começam e terminam sem nos darmos conta, de vazios da alma e descompassos entre os pares, eis um sentimento nobre. Raro.

Um beijo apaixonado e um abraço caloroso marcam o encontro dos dois na sorveteria. Tudo é belo, tudo é previsível. Até que surge um momento singularmente especial, iniciado pelo estranhamento: a imagem do atendente do balcão, dirigindo-se à câmera, na pergunta emitida pelo movimento dos lábios, desacompanhada da audição da palavra. Estamos no lugar do rapaz.

Ela olha para o namorado, sorrindo e sussurrando, oferecendo sua mão e seus lábios à leitura, ao traduzir a pergunta: “Qual o sabor!”, respondida por ele pelo gesto intenso com os dedos em sincronia com sua fala marcada e silenciosa, em alegria incontida, imensa. Em seus lábios, é possível ler: “chocolate”.

Imediatamente, ela se dirige em alto e bom som ao atendente, enquanto oscila na procura da cumplicidade do olhar de seu amado, confirmando sua escolha: “Um sorvete de chocolate pra ele… e um de morango pra mim”. Como observadores da cena, do beijo terno do casal ao final, somos construídos pela montagem audiovisual, pela qual nos localizamos atrás do balcão, enquanto entra a locução off, a voz masculina que representa a marca, emoldurada pelos toques esparsos e delicados de violão e piano:

“Conectado com torpedos você se comunica melhor e pode mais. E na Vivo você encontra o pacote ideal pra você.”

O ethos sensível da Vivo versa sobre a comunicação, em sua dimensão mais intensa e particular: a interação entre aqueles que reconhecem no outro a possibilidade de um sentimento maior, quase divino, que suspende a materialidade cotidiana. De forma mais simples: o amor é partilhado pelos olhares, pelos silêncios, e também por palavras. Na publicidade da Vivo, temos um pequeno acesso a esse oceano inapreensível por aqueles que não estão nele imersos. Um oceano de afetos, que se traduz em pequenos gestos. Entre eles, a marca pretende ser mais um. Um elo a mais a canalizar os impulsos do coração em direção à cara metade. Pela publicidade, podemos reconhecer nos produtos, nos serviços, nas mercadorias e nas corporações, uma dimensão mágica, mitológica. Barthes aponta para a publicidade como o lugar onde os mitos se tornam imagem. Por meio de Barthes e de Sodré, procuro compreender que estratégias sensíveis são essas que me fazem consumir essa mensagem com um sorriso nos lábios, como mais um que compartilha dessa euforia amorosa do lindo casal, para em seguida ser bruscamente recolocado no lugar do observador, que espia silenciosamente à distância e é direcionado ao produto e sua promoção. No final, o anticlímax se instaura: como teoriza Haug, a incompletude é indissociável desse vínculo estético proposto pela publicidade a nós, consumidores, cidadãos, seres à procura de saciar nossos desejos. A deficiência auditiva, nesse sentido, serve como metáfora à incompletude humana, a partir da qual o produto sustenta sua ideia de necessidade. Diante de tanto mar, o fio de água oferecido pela Vivo, insinuando-se como o destinador de algo que possa atender em plenitude ao que se deseja, parece aumentar a sede. Menos, aqui, não é mais.

Em nosso tempo, os ideais se transmutam em bens de consumo revestidos de afetos. Entre encontros e desencontros, mediamos e intensificamos nossa comunicação por meio das tecnologias disponíveis, renováveis, descartáveis. Auto-engano necessário: talvez saibamos da impossibilidade de se atingir, por qualquer tecnologia, a imensidão dos silêncios e dos sentimentos que nos aproximam dos deuses, quando temos o poder da comunicação direta com a alma humana. A eternidade nos instantes, que os trinta segundos da publicidade sonham alcançar. Porém, como canta Lulu Santos: “Tem certas coisas que eu não sei dizer…”

Comercial “Vivo SMS Casal”: Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=2ZE99TKWwvE . Acesso em 30/10/2010.

Referências bibliográficas

BARTHES, Roland. Mitologias. São Paulo: Difel, 1987.

HAUG, Wolfgang Fritz. Crítica da estética da mercadoria. São Paulo: Ed. Unesp, 1997.

SODRÉ, Muniz. As estratégias sensíveis: afeto, mídia e política. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.

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