Fabris: "a publicidade passa por um processo de desapego de certezas"

Thais Fabris
Thais Fabris não tem medo de desafios. Iniciou sua carreira como redatora e em pouco tempo se tornou diretora de criação e partiu para Lisboa, para liderar uma equipe internacional. Após ganhar diversos prêmios em terras lusitanas, voltou ao Brasil se lançou em um empreendimento que toma contornos de cruzada por uma comunicação que respeite a dignidade e a inteligência das consumidoras. A empresa foi batizada de 65|10, em alusão às 65% das brasileiras que não se sentem representadas na propaganda e os pífios 10% de mulheres trabalhando na criação das agências de propaganda no Brasil. O trabalho à frente do 65|10 apenas começou e já rendeu o primeiro Glass Lion do Brasil no Festival de Cannes. Nessa entrevista, Thais conversa com a gente sobre o tema do momento: como a publicidade pode lidar com o que era aceitável até pouco tempo atrás, mas hoje sofre críticas contundentes?

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1. Você tem alguma memória de infância sobre publicidade ou consumo? 
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Eu cresci dentro de agências, porque minha mãe também é publicitária. Minhas lembranças vão desde brincar com os lápis dos diretores de arte até ajudar minha mãe a embalar press kits (alou, trabalho infantil!). Publicidade sempre foi assunto nas refeições em casa e algumas campanhas me marcaram muito, como as da Benetton. Tinha até uma página dupla de uma campanha deles presa na porta do meu quarto lá pelos 12 anos.
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2. Algumas propagandas do passado são problematizadas hoje e isso incomoda muita gente. Como lidar com o que era aceitável, mas hoje é alvo de críticas?
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Outro dia eu falei numa palestra que a minha carreira foi construída numa base bem machista. Eu fiz e falei coisas ao longo de 15 anos trabalhando em agências – 10 como diretora de criação – das quais me envergonho hoje. Às vezes sou até cobrada por isso, coisas que fiz anos atrás e as pessoas lembram. Acho bom. Quem não se envergonha de quem era uns anos atrás não está evoluindo rápido o suficiente. E fico sempre pensando “o que será que estou fazendo hoje que vai me envergonhar amanhã?”. É um processo de desapego das certezas e é preciso ter paciência, também, com quem está em outro ponto na curva de aprendizado. Sei que muita gente teve paciência comigo, ainda bem!
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3. O seu trabalho já influenciou o que ou a forma como você consome? 
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O meu trabalho me ensinou que o consumo é um ato político, principalmente para quem tem opção de escolher o que vai consumir. Hoje sou muito criteriosa: evito consumir carne, pois sei o impacto no desmatamento, por exemplo. Compro pouca roupa nova, procuro comprar de produtores pequenos e locais. É um esforço diário para ser coerente e claro que bate uma dor na consciência por saber que, trabalhando com publicidade, estou ajudando a girar uma roda que esmaga muita gente no caminho.
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4. Como você se vê influenciando o consumo de uma família?
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Hoje, com a 65|10, o trabalho é muito mais no sentido de tornar menos nocivas as mensagens das campanhas e isso me tranquiliza. É uma espécie de redução de danos: qual é a forma de incentivar o consumo que vai ter menos impactos nocivos na nossa sociedade?
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5. O que o consumo representa para você?
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Numa sociedade capitalista, o consumo é uma forma de existir no mundo, expressar sua individualidade ou pertencer a algum grupo. Excluir pessoas dessa lógica, por mais nociva que ela seja, é tirar delas uma poderosa ferramenta de expressão. Por isso lutamos tanto pela visibilidade e melhor representação das minorias na publicidade.
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