Vivendo na era do Yes, We Can! desenfreado

Abrimos o espaço do Memorial para que nossos colegas acadêmicos de fora do PPGCOM-ESPM também possam divulgar suas pesquisas envolvendo o mundo da comunicação e do consumo. Abaixo, Isabel Lopes, egressa da graduação da ESPM, conta da pesquisa que a formou mestre em Comunicação e Semiótica na PUC de São Paulo:

Nós vivemos na era do yes, we can. Na era que diz que tudo é possível, desde que nos esforcemos. Em que existe uma infinidade de gurus de autoajuda e coaches profissionais dedicados a fazer você se tornar aquilo que deseja. Em que não somos mais meros seres humanos, mas gestores do nosso próprio eu. Veja bem, nós nos impomos metas, avaliamos nossa performance com números (quilos perdidos, número de matches, de projetos entregues no trabalho e assim por diante) e nos pressionamos muito para chegar lá, seja “lá” onde for. Afinal, como disse o teólogo João Calvino lá nos anos 1500, nunca estamos satisfeitos com o que temos.
 
No mestrado em Comunicação e Semiótica na PUC estudei a construção, sustentação e consequências do imaginário de sucesso do trabalho, estudando o caso do publicitário. Como eles são capturados por esse frenesi de ser um profissional reconhecido e toda essa magia dos prêmios, essa aura divertida, colorida, que às vezes me lembra muito o mundo fantástico da Disney, com todos os leões de ouro, corujas, festivais, festas exclusivas e ambiente descolado. Mas ela tem efeitos sombrios. Afinal, por que seria divertido virar a madrugada na agência? Pedir pizza na sexta à noite para continuar trabalhando? Ir no sábado de manhã pra terminar um projeto?
 
Estamos cada vez mais ansiosos, hiperativos e cansados. Basta ver como há publicitários que já morreram, centenas que tiveram que ser afastados por burnout e milhares que desistiram da carreira publicitária simplesmente por terem destruído sua sanidade física e mental. E mesmo assim, eles arrumam um jeito de criar umas páginas e outras no Facebook pra mostrar esses absurdos com humor. Por isso, a principal reflexão desse projeto na verdade foi uma urgência: precisamos mudar. Precisamos, como faz Nietzsche, desconstruir nossos valores, conceitos, morais e comportamentos para buscar novas formas de enxergar o mundo.
 
Para embasar a pesquisa, eu examinei as mudanças ocorridas nas atividades do setor após 1980, fiz entrevistas com 11 publicitários para mapear os atributos que constroem esse capital humano, analisei através da semiótica francesa a construção de discursos que concretizam esses atributos, examinando portais de mídia especializada, premiações e páginas criadas pelos próprios publicitários sobre sua profissão no Facebook. Por fim, investiguei a influência desses discursos no cotidiano do trabalho, utilizando as entrevistas realizadas e uma pesquisa feita pelo publicitário Caio de Andrade na internet com mais de 1.200 publicitários sobre as agências em que trabalham.
 
Esse  estudo agora se desenvolveu para um doutorado em Filosofia, também na PUC, que pretende investigar como os trabalhadores podem fugir dessa condição e criar novos modos de viver o mundo através da micropolítica, que é a política do cotidiano e não aquela dos governos, políticas e etc. Estou fazendo isso estudando (e principalmente sentindo, já que filosofia é prática de vida) um conceito de Deleuze que é o do Corpo sem Órgãos, não no sentido literal claro, mas no sentido de nos esvaziarmos do que somos para recriar tudo outra vez com novas lentes.
 
Você pode ler o texto completo da Bel aqui:  https://pucsp.academia.edu/BellLopes
Também abordamos esse assunto em um artigo sobre a tão propagandeada cultura organizacional do Google, que você pode ler aqui: https://memorialdoconsumo.espm.edu.br/2016/04/14/google-e-o-consumo-simbolico-do-trabalho-criativo/
 
 
Imagem retirada daqui.

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