A Carne é Fraca: Consumo alimentar em tempos de crise na indústria alimentícia

Por Joana A. Pellerano

carne supermercadoÉ considerável o valor simbólico que possui um bem de consumo com permissão para adentrar e compor o próprio corpo do consumidor. Por isso, poucas experiências de consumo são tão complexas quanto a alimentação: a inevitável fusão entre o consumidor e o produto consumido ganha contornos preocupantes quando percebemos nosso desconhecimento sobre as atuais formas de produção do que estamos comendo.

Essa é a crise de confiança desencadeada por casos como a Operação Carne Fraca, em março de 2017, que revelou um esquema de corrupção envolvendo fiscais do Ministério da Agricultura e empresários de mais de 30 empresas alimentícias do Brasil, incluindo os maiores frigoríficos do país. Para além da decepção causada por mais um caso de corrupção, a investigação – que envolveu possíveis propinas pagas a agentes públicos federais para permitir a comercialização de carnes adulteradas e estragadas – expõe a fragilidade do sistema produtivo da comida, esse bem de consumo tão essencial e íntimo.

A já complexa relação entre comensal e comida fica mais intrincada quando a indústria alimentícia toma para si a responsabilidade pelas preparações culinárias, afastando o consumidor do processo produtivo de seus alimentos. Já foi mais fácil saber de onde vinha a comida: antes da formação das cidades e da Revolução Industrial, a proximidade entre produção e consumo garantia a procedência (ainda que não a quantidade) dos víveres. Nas sociedades industrializadas, a escassez é superada graças ao longo caminho percorrido pela indústria alimentícia, que, de tão presente na dieta cotidiana, acaba sendo ignorado pelo consumidor.

Nos últimos três séculos, a indústria alimentícia ganhou a responsabilidade por diferentes etapas do sistema alimentar: produção, distribuição e preparo já não são tão familiares para os consumidores que delegam a terceiros a tarefa de alimentá-los. Esse processo produtivo, no entanto, não está isento de falhas, e produtos que colocam em risco a saúde do consumidor podem chegar às prateleiras dos supermercados sem que ninguém perceba.

O medo de descobrir essas falhas no processo é grande entre aqueles que se dizem dependentes da indústria. Para muitos
consumidores, a ignorância é o melhor escudo contra esse tipo de temor – “Prefiro viver na escuridão!” –, e se desconectar do risco permite continuar levando a vida com tranquilidade. Porém, quando uma crise nubla o céu de brigadeiro da relação entre consumidor e indústria alimentícia, o consumidor não pode mais ignorar o quanto está à mercê de possíveis contaminações em cada tomada alimentar. Esses consumidores, então, tentam criar estratégicas para lidar com a insegurança, como adotar as marcas como selo de qualidade e garantia de procedência e saudabilidade, a carteira de identidade do produto, e depositar sua confiança naquelas que (ainda) não cometeram erros em suas cadeias produtivas. É um fechar de olhos e esperar que a carne, apesar de fraca, consiga sustentar por mais um tempinho.

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