Fotografias – o consumo da imagem: antigos hábitos, novos modos

fotografiasPor um tempo não se escrevia mais cartas e deixavamos de ter notícias de pessoas conhecidas, familiares. A distância geográfica resultava em desconhecimento dos rumos tomados por entes queridos, ou nem tanto. Claro, como opção às missivas, um hábito relegado aos mais românticos, existia o telefone. Mas ligações interurbanas eram caras e muitas vezes perdia-se também esta possibilidade de contato pelas mudanças dos números, ou movimento das pessoas. De repente, resgatamos o antigo hábito da escrita de mensagens, às vezes verdadeiras cartas, com os emails. Por meio dos sites de busca. Surge a possibilidade de contatos inéditos, descoberta de pessoas com interesses semelhantes. Entro no Google, digito um nome e tenho pistas para o início de uma garimpagem, recuperamos contatos, ou pelo menos, pistas do paradeiro de conhecidos. E na seqüência, as redes sociais possibilitam não só o contato, mas um contato “organizado”, em grupos, por critérios, que agilizam as relações, classificam os sentimentos. Ou seja, é retomado o hábito da escrita, ainda que num novo formato. Com abreviações, erros gramaticais e de grafia (sem problemas (sic), afinal, todos sabemos que as msgs tem q ser digitadas rápida/e), com ‘modernidades’, neologismos, internetês, mas retoma-se o hábito do contato por escrito.

O mesmo se deu com a fotografia. Nossos pais e nossos avós, principalmente, guardam com carinho e orgulho fotos amareladas, lembranças de bons momentos, relíquias de família. Tinha o lambe-lambe, depois as máquinas Kodak preto e branco, os slides (o projetor de slides, as reuniões pós-viagens, a organização das memórias), os álbuns de fotografia (com aquela invariável foto sua “como veio ao mundo”, ou do primeiro carro da família, com todos ao redor, com roupa de domingo). Mas então, o preço da revelação fica proibitivo e este hábito vira hobby, coisa de aficcionados. Registrar bons momentos? Só os mais especiais – casamentos, nascimentos, batizados, formaturas e mesmo assim por meio do trabalho de profissionais. Como opção para quem tinha um pouco mais de recursos, a filmadora de vídeo, fonte de boas risadas nas ocasiões de confraternização da família.

Eis que surge então a foto digital, as máquinas digitais, que não necessitam filmes, portanto, não necessitam revelação E ainda com a opção de impressão (a antiga revelação), defendida pelas pessoas ainda com raízes no papel. Mas para que? Ninguém mais se reúne para ver fotos, todos colocam todas nos blogs, páginas em sites, redes, publicizando (sic) o quão felizes são, quantos amigos têm, quanto a vida é legal (como nos happy ends, afinal temos uma propensão natural para a felicidade (Baudrillard)).

Pela facilidade tecnológica, tudo vira motivo para uma foto, um sorriso, o pentear dos cabelos, mas o importante é ter muita gente ao redor. Já não se fotografa a paisagem, isso é filmado, o importante é fotografar amigos, gente com quem você está, ou esteve. E me torno cada vez “mais legal” dependendo de quanto apareço nas redes. De quanto consumo de relações sociais. De quanto exponho “de mim” e quem é esta pessoa exposta. A preocupação com o Outro sempre existiu, e sempre existirá e assim deve ser, pois é no Outro que nos completamos. Porém, em um tempo em que as identidades eram mais coletivas, a família era o aspecto basilar e a preocupação era de ordem moral: “o que vão pensar da família?”. Daí a foto retocada, todos com ares aristocráticos. Os homens de terno e gravata, as mulheres “bem compostas”. Em tempo de identidades fragmentadas, individualizadas, a preocupação é com “o que vão pensar de mim”, da empresa onde trabalho. E isso a partir das companhias com quem ando (das redes das quais participo, das comunidades em que apareço) e da estética das fotos que ‘posto’.

Uma análise rápida e despretensiosa das centenas de fotos a que temos acesso nas redes e dezenas de blogs que somos convidados a visitar, de pessoas nossas conhecidas (ou que querem ser nossos ‘amigos’), revela, no mínimo, diferenças de gerações. Vamos lá: pessoas mais jovens preferencialmente aparecem em close, fazendo caras e bocas, as garotas em fotos reflexos de uma era de “eu quero ser top model”, ou em grupos, ou pares (anunciando “olhem só, não estou sozinho(a)).

Quando não, junto a logotipos das empresas em que trabalham, provavelmente o primeiro emprego, que mostram com orgulho, dizendo “olha onde estou”. Ou então, são retratos de meio-rosto, de costas, impossibilitando o reconhecimento, numa declaração de “estou aqui, me mostro ao mundo, mas apenas parte de mim”. Já a geração mais ‘madura’ se mostra em fotos ambientadas, fotos aparentemente feitas em viagens, só faltando a legenda “olha só onde estive”. Claro que raramente consegue-se identificar o local e à vezes nem a pessoa, pois esta se mostra ‘ao longe’ (um truque para disfarçar as marcas do tempo?).

Tanto as fotos retocadas, amareladas, dos nossos avós e bisavós, quanto as fotos “instantâneas-produzidas”, publicadas nos blogs e redes, poderiam ser interpretadas como “transformação das pessoas em mercadoria” (Bauman) tendo em vista que denotam práticas de registro de imagens de pessoas “para consumo”. As fotos amareladas na parede da sala de visitas serviam para mostrar a tradição da família, o quão respeitáveis eram seus antepassados. Da mesma forma que as fotos nos blogs e redes fazem parte dos perfis publicados. Entretanto, não acredito nesta “interpretação” de maneira tão pura e simples, muito menos que estas fotos dos blogs sejam tão diferentes das fotos amareladas, nem produto direto da tecnologia. O que vemos é a representação de uma das necessidades principais do ser humano, enquanto ator da história: a necessidade do registro de uma existência, do estabelecimento de uma permanência. Este registro ter esta ou aquela característica é resultado de um momento histórico-social, que vai transparecer nas roupas, nas ambientações, nos enquadramentos, nas formas de exposição/divulgação, seja a parede da sala ou a rede virtual mundial.

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